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As Duas Mulheres do Donatário de Porto Seguro e Seus Descendentes

Por Caio Cesar Tourinho Marques, em 06 de Maio de 2013, revisto em 05 de junho de 2017

(Homenagem ao Primo e Colega Dr. Genival Tourinho)

 

 

Quando do IV Encontro da Família Tourinho em Viana do Castelo, Portugal, ocorrido de 07 a 09 setembro de 2012, tivemos o privilégio de nos hospedarmos na Casa de Melo Alvim, robusta edificação ao gosto manuelino, edificada em 1509 por PEDRO PINTO. Este homem era cunhado de JOÃO ÁLVARES FAGUNDES, descobridor da Terra Nova (Canadá) e era detentor de uma significativa fé de ofício, pois foi pagem do Rei D. JOÃO II, capitão-mor da Mina, na época do Rei D. MANUEL, almoxarife de Viana, fidalgo da Casa Real, etc.

 

Nas dependências daquele vetusto solar teria sido cortejada D. INÊS FERNANDEZ PINTA pelo então jovem PERO DO CAMPO TOURINHO, ou simplesmente, PEDRO DO CAMPO, segundo informação do historiador vianense ANTÓNIO MATOS REIS.

 

Se foi assim, D. INÊS seria filha do mencionado PEDRO PINTO e de sua mulher D. BRITES FERNADEZ CARVALHO.

 

PEDRO PINTO casou-se duas vezes, mas não sabemos o nome de sua outra mulher. Seria pai de INÊS e de, pelo menos, DONA CATARINA PINTO (casada com FRANCISCO DE MELO ALVIM, militar combatente na Índia e que veio a dar nome ao solar do sogro, por volta de 1540), LOURENÇO PINTO e ANTÔNIO PINTO. Estes últimos seguiriam o cunhado na aventura de povoar a Capitania de Porto Seguro, sendo que ANTÔNIO era criado (espécie de valete ou agregado) do donatário de Porto Seguro.

Bem sabido que do casamento de INÊS com PEDRO DO CAMPO nasceram três filhos: FERNÃO, LEONOR e ANDRÉ.

 

Quando os temidos índios aimorés invadiram a Capitania de Porto Seguro, em 1564, destruíram os registros eclesiásticos e cartoriais da Capitania, impedindo, assim, a pesquisa genealógica em fontes primárias desse núcleo familiar. Mas como a História é também escrita a partir de fragmentos, ALMEIDA PRADO informa na sua obra A Bahia e as Capitanias do Centro do Brasil (1530-1626) que o provedor da Capitania de Porto Seguro, FELIPE DE GUILHEM, averiguou para penhora alguma fazenda da legitima (herança) de André do Campo seu filho que lhe ficou de sua mãe, a fim de saldar dívidas fiscais, revelando naquele documento a morte inequívoca da mãe, DONA INÊS.

Casa de Melo Alvim, hoje Hotel de Charme de Viana do Castelo, Portugal

FERNÃO (Fernando) DO CAMPO TOURINHO, o filho mais velho, recebeu a Capitania de Porto Seguro por renúncia de seu pai, tendo requerido ao Rei o respectivo alvará de posse em 19.11.1554, mas, falecendo solteiro em 1555, deixou em testamento a Capitania para sua irmã, LEONOR. Sertanista, promoveu entradas na Capitania e chefiou uma delas em 1554, financiada pelo CONDE DE PORTO ALEGRE e que pretendia chegar a Cusco, no Peru, pelo peabirú (caminho) dos índios em busca de ouro e prata, subindo o Rio Grande também chamado Jequitinhonha.

 

O Historiador SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA nos lembra que

 

As próprias autoridades portuguesas se durante longos anos tinham cuidado principalmente dos sertões de Porto Seguro como acesso às riquezas que se exploravam no Peru, cuja latitude, já o Dissera Duarte de Lemos, correspondia à da Capitania de Pero do Campo, sabiam contudo por tradição, e tradição originada dos tempos das primeiras explorações litorâneas, como se poderiam alcançar com relativa facilidade as cordilheiras  andinas. (In Visão do Paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. 6.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p.127).

 

Provavelmente, FERNÃO contraiu alguma doença tropical durante aquela jornada pelo sertão que o levaria à morte pouco tempo depois.

 

Figurou como testemunha num contrato de doação de sesmaria firmado pelo donatário de Ilhéus, JORGE DE FIGUEIREDO CORREA, a favor de MEM DE SÁ, em 1544; prova de que os donatários e sua gente mantinham efetivo intercâmbio. Recebeu bem os jesuítas na Capitania de Porto Seguro, quando foi edificada em 1551 a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito com colégio anexo.

 

Dona LEONOR DO CAMPO (Tourinho) sucedeu o irmão FERNÃO na Capitania de Porto Seguro em 30.05.1556. Pela Carta de Doação, a Capitania passaria, primeiramente, para seu outro irmão ANDRÉ, visto que, pela ordem de sucessão legítima, os parentes colaterais homens tinham preferência sobre os colaterais mulheres. Mas como FERNÃO não dispunha, à época, de seu irmão como herdeiro (talvez porque ANDRÉ se tornara religioso da Companhia de Jesus - SJ - com voto de pobreza), testou a Capitania para sua irmã.

 

Foi D. LEONOR Capitoa do Brasil por breve tempo (pouco mais de 3 anos), porque, em 19.08.1559, vendeu a Capitania ao DUQUE DE AVEIRO, naquela oportunidade senhor do Engenho da Riaga, próximo à Vila de Santa Cruz, hoje Santa Cruz de Cabrália. Foi prometida em casamento ao escudeiro fidalgo da Casa Real, PERO CORREIA. O pacto antenupcial foi desfeito, certamente porque o noivo serviu como testemunha no processo inquisitorial contra seu pai. Veio então a se casar com GREGÓRIO DA PESQUERA, navegador castelhano, amigo de PERO DO CAMPO da época de suas incursões no Rio da Prata, comissionado pela Imperatriz da Espanha para defender o litoral de Santa Catarina contra possíveis invasões. Das aventuras do marido na Linha de Tordesilhas, ficou D. LEONOR viúva e sem filhos, morando numa casa de arco ogival à Rua de São Sebastião, hoje Manuel Espregueira, precisamente na esquina sudoeste com a Rua de Santa Clara, na então Viana da Foz do Lima, vivendo das rendas oriundas da venda da Capitania.

 

Finalmente, ANDRÉ DO CAMPO (Tourinho).

 

Tentamos descobrir qual teria sido seu paradeiro. Tomou parte, segundo GASPAR DIAS BARBOSA, denunciante à Visitação da Inquisição às partes do Brasil em 1591, na conspiração promovida por clérigos e moradores de Porto Seguro para prender e processar seu pai perante a mesma Inquisição, em 24 de novembro de 1546. De fato, ocupou os cargos de capitão e feitor da Capitania de Porto Seguro, como declarou o citado denunciante. Mas foi preso e processado pelo Ouvidor-Geral, PERO BORGES, em 1550, a mando do Governador-Geral TOMÉ DE SOUZA, por desmandos administrativos e fiscais na Capitania, mas já estava livre em 1551 (atestado na Série Documentos Históricos da Biblioteca Nacional e na História da Companhia de Jesus no Brasil, Tomo I, Apêndice K, p. 574.)

 

Somos tentados a identificá-lo, também como o historiador CAPISTRANO DE ABREU, como o Irmão Estudante ANDRÉ DO CAMPO, jesuíta que vivia em Porto Seguro, no mesmo ano de 1551, no colégio junto à Igreja de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito (devoção típica dos escravos) e que foi estudar em Coimbra em 1552 (Cartas Jesuíticas Avulsas de nº 102), o que, com sorte, comprovar-se-á compulsando os arquivos da Companhia de Jesus em Roma e os da Universidade de Coimbra. Vemos também ele participando da fundação da casa jesuítica de São Vicente, em São Paulo.

 

Após tantos percalços, uma vida ascética, espiritual, poderia ter sido a melhor resposta dada à existência pelo filho de um Capitão do Brasil.

Igreja de São Benedito na Cidade Alta de Porto Seguro, Bahia, construída em 1551. Do lado esquerdo da foto estão as ruínas do Convento/Colégio dos Jesuítas

Mosteiro Beneditino de São Romão de Neiva, na Freguesia do mesmo nome, sito ao norte de Viana do Castelo, retratado numa bela fotografia de Vasco Morais. Merece uma visita!

Aspecto primitivo da primeira Catedral de São Salvador da Bahia e do Brasil, erguida em 1552 e antes de perder suas torres encosta abaixo, durante uma enxurrada. Foi escandalosamente demolida em 1933, com leniência do então Arcebispo, Cardeal D. Augusto Álvaro da Silva. Reconstituição de Iuri Peixoto.

Viúvo, o Donatário convolou novas núpcias com D. VIOLANTE DE ANDRADE, filha de LUIZ d´ANDRADE, feitor e almoxarife da Fazenda Real, sesmeiro em Porto Seguro no ano de 1545 (note-se que ambos os sogros de PERO DO CAMPO eram pessoas ligadas ao Fisco Real, mas que, na prática, não lhe foram úteis, pelo menos neste aspecto).

 

Deste segundo casamento foi filha D. BRANCA DE ANDRADE TOURINHA (naquela época os sobrenomes/apelidos de família concordavam com o gênero), lembrando que BRANCA portava o nome de sua avó paterna, D. BRANCA DE QUEZADA, casada que foi com GIL PIRES TOURINHO, senhor da metade do Prazo de São Romão de Neiva, terra foreira do mosteiro do mesmo nome, sito na Freguesia de Castelo de Neiva, ao norte de Viana do Castelo.

 

D. BRANCA DE ANDRADE, por sua vez, casou-se com GASPAR BARBOSA, herói morto em 1567 ao lado de ESTÁCIO DE SÁ, quando da expulsão dos franceses da Guanabara. O casal era amicíssimo da Companhia de Jesus e muito dado à oração, tendo vivido castamente seus primeiros anos de casamento, como informa o Irmão jesuíta VICENTE RODRIGUES numa carta datada de 17 de maio de 1552. Deste consórcio foram filhos JERÔNIMO BARBOSA, nascido em 1555 na Vila de Porto Seguro, da Governança da Cidade do Salvador, casado com BÁRBARA GONÇALVES, e o Padre PEDRO DO CAMPO TOURINHO, vigário-geral da Diocese de São Salvador da Bahia e deão de sua Sé Catedral, nascido no ano de 1559, também em Porto Seguro, amigo e condiscípulo do Historiador Frei VICENTE DO SALVADOR, OFM.

 

O Donatário morreu em Lisboa a 10 de outubro de 1553. Morava então na Rua do Poço, não tendo alimentado campa de sua propriedade na Igreja da Misericórdia de Viana, como atesta o Livro das Covas dessa Irmandade.

 

D. VIOLANTE DE ANDRADE deveria ser bem mais nova do que o marido donatário, uma vez que residia em Salvador em 1591 com seu neto padre. A filha BRANCA e o genro, GASPAR BARBOSA, já eram defuntos naquela data.

 

Não avalizamos a suspeita levantada por CAPISTRANO DE ABREU, no seu Artigo Atribulações de um Donatário, de que PERO DO CAMPO amancebou-se com VIOLANTE, o que seria um prato feito para seus detratores, denunciantes perante a Inquisição.

 

Do exposto, constata-se a extinção da varonia do capitão-donatário, com a eventual descendência por JERÔNIMO BARBOSA perdida nas brumas dos séculos, a fortiori quando da destruição do corpus documental da Capitania da Bahia pelos invasores holandeses em 1624, sendo o autor deste artigo descendente de um seu segundo irmão, ESTÊVÃO GIL TOURINHO, senhor do Engenho Tossomirim, em sesmaria doada pelo irmão donatário no ano de 1542, e que foi casado com D. BRITES FERNANDES MACIEL, da família dos armigerados Macieis, moradores da Freguesia de Darque, na então Viana de Caminha igualmente conhecida como da Foz do Lima.

 

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